O servidor da Assembleia Legislativa (Ales), Gabriel Augusto Cortes Calixto, filho do presidente da Câmara de Vereadores de Barra de São Francisco, conseguiu, na Justiça Comum, o direito de obter do Fundo Municipal de Saúde (FMS), a compra de um sofisticado aparelho de medição de glicemia (diabetes) e a garantia de pagamento dos “sensores” do aparelho por tempo indeterminado.
O aparelho custa cerca de R$ 200, mas os sensores custam cerca de R$ 250 cada e têm que ser substituídos a cada 15 dias. Ou seja, por mês, a Secretaria Municipal de Saúde tem que desembolsar cerca de R$ 500 para que Gabriel possa ter uma medição “não invasiva” de sua glicose. Vale ressaltar que o jovem ganha, de salário, cerca de R$ 3 mil mensais.
A decisão foi proferida em meados do ano passado pelo então juiz de Direito da Comarca, Edmilson Rosindo Filho, que acabou afastado do cargo este ano, por várias acusações de irregularidades e beneficiamento de pessoas de seu convívio, como era o caso do presidente da Câmara.
O caso de Gabriel – que também esteve envolvido recentemente em denúncia de favorecimento pessoal pelo pai, que estaria disponibilizando um veículo da Câmara, todas as segundas-feiras pela manhã para levar o filho à capital capixaba, onde trabalha – é apenas a ponta do iceberg de dívidas criadas pela judicialização da saúde no Espírito Santo e, particularmente, em Barra de São Francisco.
Procurado pela nossa reportagem para informar o valor gasto mensalmente pela Saúde municipal com o pagamento de medicamentos por determinação judicial, o secretário municipal de Saúde, Zulagar Dias Ferreira, disse que só poderia nos atender na próxima quarta-feira. No entanto, ouvimos de outras fontes que os valores são “altos”.
A situação foi discutida na Comissão de Saúde de Assembleia Legislativa (Ales) e ficou constatado que, no ano passado, os municípios capixabas e o Governo do Estado gastaram R$ 138 milhões no cumprimento de mais de 12 mil demandas judiciais para assistência médico-hospitalar e fornecimento de medicamentos.
Conforme relataram gestores municipais durante audiência pública realizada pela Comissão de Saúde, essa situação causa muitos transtornos às prefeituras, uma vez que faltam recursos para atender às ordens judiciais.
“Os prefeitos estão desesperados porque nem sempre temos os recursos e somos obrigados a cumprir em poucas horas uma determinação judicial”, afirmou o chefe do Executivo de Aracruz, Jones Cavaglieri.
Segundo Cavaglieri, em 2018 a Prefeitura de Aracruz reservou R$ 500 mil no orçamento para atender judicializações na saúde, mas os gastos chegaram a R$ 1,3 milhão.
“Tivemos de remanejar R$ 800 mil de outras áreas, o que desorganiza todo o orçamento, e ficamos com extrema dificuldade para tocar nossa administração”, explicou.
A secretária de Saúde de Aracruz, Clenir Avanza, afirmou que a municipalidade recebe uma média de 10 ordens judiciais por dia na área de atendimento médico-hospitalar e fornecimento de remédios.
“São determinações que o gestor tem de cumprir em questão de horas e, se não cumprir, corre o risco de ser preso; isso causa agonia e desespero”, disse.
Medicamentos – Para o promotor Marcelo Paiva Pedra, o problema maior da judicialização se refere a medicamentos de alto custo, muitos deles não previstos na lista oficial do Sistema Único de Saúde (SUS).
Ele exemplificou o “drama” vivenciado pelas prefeituras ao lembrar que um único remédio de alto custo pode ser mais caro do que o orçamento na área de saúde de municípios pequenos.
Conforme o promotor, um medicamento importado de alto custo para câncer pode custar até R$ 3 milhões, valor superior a todo o orçamento de Sooretama para a saúde, estimado em R$ 2,8 milhões.
O presidente da Comissão de Saúde, deputado Dr. Hércules (MDB), citou que em Vila Velha há cerca de 530 processos sobre judicialização da saúde, sendo metade desse montante relacionada a medicamentos.
Ele relatou que cidades com menos de 40 mil habitantes, como Marataízes e Ibiraçu, estão gastando anualmente mais de R$ 2 milhões com esse tipo de demanda.
Marcelo Paiva se posicionou a favor de mudanças no princípio da solidariedade dos entes federados para que a União possa ser acionada rapidamente no sentido de socorrer prefeituras obrigadas judicialmente a comprar medicamentos ou oferecer procedimentos fora de sua capacidade orçamentária.
Consultas e exames – O assessor Edson Cláudio Pistori, da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), relatou que nos últimos quatro anos o estado foi acionado judicialmente 42 mil vezes para atender às demandas médico-hospitalares.
“Apenas em 2018 tivemos que gastar R$ 198 milhões com esse tipo de assistência, o que daria para construirmos dois grandes hospitais”.
Ele disse que o governo Casagrande está tentando evitar as judicializações ao criar nova dinâmica para consultas e exames. No novo modelo, os médicos que atendem nos postos e centros de saúde estão encaminhando diretamente para cirurgiões casos evidentes de necessidade de intervenções, como operações de hérnias, por exemplo.
Segundo explicou, isso está desburocratizando e desafogando os atendimentos que realmente necessitam da avaliação de especialistas. Pistori destacou a importância dessa medida ao citar que entre 2015 e 2018 a demanda maior envolvendo judicializações na esfera estadual estava relacionada a consultas especializadas e exames. (Weber Andrade com Webales)
Em todo o país, a judicialização
demandou R$ 1,1 bilhão de gastos
De acordo com relato feito por Dr. Hércules, com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no país há atualmente mais de 1,3 milhão de processos tramitando sobre o direito à saúde.
“Em 2011 eram 240 mil (processos)”, afirmou o deputado, ao classificar de “brutal” a escalada de despesas da União, estados e municípios com esse tipo de situação.
Conforme o parlamentar, em 2007 a União desembolsou R$ 23 milhões com a judicialização da saúde. Já em 2018 a cifra saltou para R$ 1,1 bilhão. “O CNJ identificou em maio deste ano um aumento de 130% nas ações judiciais para acesso a medicamentos de alto custo entre os anos de 2008 e 2017”, argumentou.
Hércules acrescentou que atualmente há cerca de 500 mil processos em primeira instância sobre temas relacionados à área da saúde.
Para o deputado, gastar “vultosos recursos” em casos isolados (de pacientes) não fortalece a política pública do SUS e não ajuda o sistema a melhorar coletivamente.
Ele citou que em 2017 apresentou na Assembleia Legislativa indicação ao Tribunal de Justiça (TJES) sugerindo a criação de varas especializadas em julgar ações relacionadas ao acesso à saúde.
“Seria uma forma de agilizar o julgamento das demandas e especializar a Justiça para apreciar ações que versem sobre os direitos à assistência médico-hospitalar”, afirmou. (Webales)